quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A ÁRVORE E A FLORESTA

Grandes escritores, cineastas, poetas, compositores... artistas em geral, em seus melhores momentos, conseguem fundir o geral e o particular. Falam de uma geração através de um personagem, do mundo através da aldeia. Oferecem visões simultâneas da árvore e da floresta. Ah, como precisamos deles! Não para fazer nossas cabeças pois, se somos tão vazios a ponto de não ter opinião, não será a opinião de outrém que irá nos preencher. Mas precisamos das intuições desses caras, da luz por vezes difusa, por vezes ofuscante, que eles produzem. Ainda mais em tempos fragmentados como os que vivemos. Cada situação tem uma dimensão humana pessoal, específica, e outra simbólica, comum a uma coletividade. Ficar só numa delas, generalizando tudo ou só fulanizando, nos deixa igualmente incompletos. (*) A tela do meu computador andou sombria por esses dias. Imagens de barbárie pareciam chegar a cada clique. Numa delas, um jornalista está ajoelhado, vestindo um macacão cor de laranja prestes a ser degolado por alguém com o rosto coberto ( não sei se a cena estava disponível, não cliquei ). Li várias análises políticas, religiosas, sociológicas a respeito, mas nenhum discurso descrevia o que vi naqueles dois pares de olhos. (*) Em outro momento, o noticiário da TV mostrava, através da câmera de segurança de uma casa noturna, as últimas imagens de uma jovem que, dias depois, seria encontrada morta. Ela saia do local com um homem, agora, principal suspeito do crime. Ao abrir a porta, a mulher fechou o casaco para se proteger do frio que vinha da rua. Este gesto trivial de alguém se protegendo do frio enquanto ignorava estar desprotegida de um risco infinitamente maior ficou na minha mente; sem que eu conseguisse dar significado nem esquecer. Como uma árvore que não me deixa enxergar a floresta. (*) Meus dedos, quase por reflexo, digitaram o canal da rádio NET. Caiu numa estação dedicada aos Beatles. Tocava uma canção falando de um Padre McKenzie a escrever sermões que ninguém ouviria e de uma tal Eleanor a cujo enterro ninguém compareceu... ah, look at all the lonely people! where do they all come from? all the lonely people... where do they all belong? AUTOR: UMBERTO GESSINGER